Religiosidade cristã: doença e libertação
Existe uma prática religiosa que gera ou mantém doenças e
uma outra que leva ao amadurecimento humano? Nem sempre é fácil procurar
responder tal pergunta. O que sabemos nos últimos tempos, principalmente com a
análise das ciências sobre a religião, é que sua expressão se apresenta com uma
‘muleta psicológica’ ao ser humano. A concepção que solidificou nesse sentido,
até mesmo no senso comum, foi o da psicanálise, que trata a crença em Deus como
um desejo infantil não reconhecido por um pai superprotetor. Podemos dizer que é
verdade a afirmação da psicanálise? Em grande parte, sim. Porém, não toda.
Nos últimos tempos, ao menos na religião cristã, e dizemos
especificamente no Brasil, sua prática tem tomado ares de neurose coletiva. Ficou
visível o endeusamento de padres e pastores que prometem cura, libertação e
proteção. O que chama atenção é que não é Deus que conta na relação, mas o
pregador. Caso o ‘curandeiro’ seja falho, não consiga atingir o objetivo, ajudar
ao fiel, por meio de orações de exorcismo e libertação, a culpa nunca é dele e
nem da Divindade. Então, o sentimento de culpa é estalado sobre o fiel que ‘não
tem fé’. Em outras palavras, fé é entendida como força do próprio fiel e não
mais como dom teologal. Pois, em hipóteses nenhuma a culpa pode cair em Deus. Contudo,
alguém vai ser culpado, mesmo que se negue que seja a divindade, porque é assim
os traços da religião infantil.
A vida, na prática neurotizante cristã (aqui se deixa claro
que se refere a uma interpretação e vivência imatura da fé) não é aceita como
ela é. Sigmund Freud (1856-1939) falou dessa característica no neurótico. Esse
não aceita o que vê, faz de tudo para mudar, fantasia, somatiza e sofre com
isso.
Porém, existe o lado da fé que caminha a passos largos e
auxilia no processo de amadurecimento humano. É aquela fé de Jesus Cristo, que
mesmo sendo perseguido, caluniado, não buscava fazer a própria vontade, mas
realizava o ensinamento do Pai: amar, seguir sua paixão. Abriu mão de si em
prol do outro. Viveu nisso sua Vocação, sua missão, seu sentindo (direção). Uma
prática religiosa nesses moldes não busca o seio materno, como faz a criança
nos primeiros anos. O indivíduo imbuído de consciente andar da vida, se lança,
sem medo de deixar o aconchego, e vai a caminho de sua realização. Mesmo que
tenha que passar por desertos, ele sabe – experiencia e não apenas conhecimento
racional-objetivo – que é o único caminho que pode percorrer.
Aqui ele sabe que não é um padre ou pastor que vai guia-lo.
O ministro pode até auxilia-lo com reflexões, perguntas, partilhas, porém, jamais
dirá o que ele deverá fazer no sentido de colocar um cabresto.
Olhando a situação atual da prática religiosa não há como negar
que o cabresto está em moda (talvez sempre teve). Por que? É difícil caminhar
com as próprias pernas, é difícil assumir os próprios erros, é muito difícil assumir
a própria solidão, é difícil amar verdadeiramente, pois esse liberta e nos
lança na vocação que a Vida convoca.
Pode-se dizer que hoje a grande parte da prática cristã –
não devido a alguma deficiência de sua mensagem original, mais por má interpretação
e vivência – é infantilizante, neurotizante. Contudo, a vertente sadia está aí
nos escombros de nossas dores.
Frei Edson Matias
Frei Edson Matias
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