Análise da concepção de milagre a partir do caso da Tailândia



Image result for meninos na caverna tailandiaO incidente na Tailândia no mês de julho de 2018 comoveu o mundo inteiro. Várias equipes de resgate foram envolvidas. Um grupo de garotos e seu técnico ficaram presos nas cavernas logo após serem inundadas com água das chuvas. Depois de vários dias as crianças foram sendo resgatada uma de cada vez. No processo de organizar a retirada deles um dos mergulhadores, Saman Kunan, por falta de oxigênio, morreu, quando tentava fazer a travessia até onde eles estavam. Ao fim dos trabalhos, todas as crianças foram salvas como também o técnico. Começou a se falar em ‘milagre’ devido às dificuldades do resgate e o tempo (18 dias), e que tudo isso somente poderia ser ação de Deus.
Realmente, para aqueles que acreditam foi um milagre. Contudo, a maioria dos comentários que surgiram nas redes sociais e reportagens compreendeu milagre equivocadamente. Pelo menos naquilo que o cristianismo apresenta em sua mensagem original. Então, aqui se faz uma reflexão a partir da religião cristã.

Comecemos por algumas perguntas: foi milagre as crianças serem retiradas vivas? Sobreviverem sem comida por esse tempo todo? Onde está a ação de Deus nisso tudo? E a o mergulhador, Saman Kunan, que morreu, foi milagre também?

A concepção de milagre atualmente (senso comum) está atrelada a dois aspectos. Primeiro, Deus salva da situação, ou seja, sempre se tem uma solução positiva. Segundo, Deus controla tudo, quem morre ou quem vive. Nas duas concepções se tem uma visão bem reduzida de milagre. Parece que no segundo caso, não existe milagre de forma alguma. E por incrível que pareça se aproxima mais de uma visão da maioria hoje. Basta fazer uma pesquisa com os fiéis de igreja é perguntar: temos horas de morrer? É Deus que quer? Se for ele que quer, logo, não existe milagre em ficar vivo ou morrer, pois já está tudo pré-determinado.

No primeiro caso, milagre como sendo sempre uma saída positiva, desconsidera qualquer doação de vida de alguém por outro. Neste caso se rejeita mesmo a mensagem cristã original. Já que Jesus entregou toda a sua vida na pregação do Reino de Deus. Então, o que pensar a partir desse episódio na Tailândia a partir da fé cristã?

Podemos dizer que existem aí dois milagres que se destacam. A vida das pessoas que estavam presas na caverna e do mergulhador que morreu. Então, a morte nesse caso é também um milagre, entendido como capacidade dada por Deus de doar a vida em prol do outro. No que se apresenta aparentemente negativo é doação, entrega. Porém, precisamos até mesmo alargar essa doação de vida. Os outros mergulhadores também não ariscaram a vida? Sim, ariscaram. Tudo isso é milagre.

Olhar apenas a retirada dos meninos como milagre é reduzir seu sentido. Afirmar que somente as vidas salvas é milagre também é redutivo. Imagine a seguinte situação:

“Uma mãe está a um mês com seu filho no hospital. O estado é grave. Os médicos disseram a ela que é delicada a situação e que a medicina já não pode fazer mais nada. A dor é intensa. Vários dias se passam e a saúde sempre piorando. Depois de três dias o filho veio a falecer”.

Em uma visão pentecostal de hoje era preciso ter fé. Recorrer a Deus com ‘mais força’ (parece que Deus escuta a partir das muitas palavras) para que o milagre acontecesse. Aqui ocorre algo grave na concepção religiosa. Além da mãe estar já sofrendo, ainda é colocado um peso em suas constas: “não ter fé”. O milagre aí não pode ser constatado? Como falar em milagre em uma situação de morte? Parece ser necessário voltar a Jesus Cristo?

Precisamos entender que o milagre na fé cristã está presente aí nessa situação de morte. O amor que a mãe sente, que a fez cuidar, que a levou a dor, tudo isso é milagre. Caso se reduza o milagre apenas em coisas positivas e agradáveis a fé cristã não resiste e nem aí mora. Este é o problema das religiosidades contemporâneas, principalmente do pentecostalismo e do neopentecostalismo – tanto católico com evangélico.

As idéias de cura, libertação e de milagre hoje, beiram a magia e a superstição. Líderes religiosos e leigos pervertem a mensagem cristã em busca de público e dinheiro. O milagre como possibilidade de incluir mesmo a morte, a doença, o sofrimento jamais é aceito no discurso religioso dessas correntes.

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